Pálida

domingo, 22 de julho de 2018


Pálida. Aquele era o nome da boneca, não mais por sua cor, que já aderia a moda do encardido da poeira do tempo. Pálida via tudo, contradizendo o natural, sentia tudo. Isso mesmo, ela não era como os outros brinquedos, compara-lá a outros bonecos e bonecas se faz cabível elevar ao nível de ofensa. Pálida já estava lá faz tempo, tanto tempo que já nem era mais capaz de lembrar, quem dera de contar. E seus vizinhos, se sentissem ou pudessem dizer algo, apática não seria uma escolha tão ruim de palavra. Pálida por sentir, chorava, mas ninguém via, ás vezes ria, e também ninguém via. Ela era a razão daquilo tudo, mas que contraditoriamente já perdeu sua importância há muito tempo. A poeira era nada mais que tatuagens de ausência, de tudo e todo aquilo que já foi e não é mais. Ás 4 horas da manhã ainda havia um galo a cantar, certamente não era o mesmo galo de antigamente, mas ainda sim havia algum para anunciar um novo dia. Ás vezes o silêncio corrói a alma, retrato de uma alma gelada, que ainda insiste em se apagar. Pálida viu nascer, viu viver, viu morrer, viu os badalos que ressoavam como sinos de catedrais. Aquela era a cátedra. Eis a nossa cátedra: julgos abandonados, carroças sem rodas, barro sem dono, couro sem pé, tramela sem cabeça. Pálida são as nossas almas.

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